sábado, 26 de maio de 2012

Transbordar de si


(...)

O que você vê?

 Os olhos que deixam reluzir a beleza da essência agora parecem somente procurar aquilo que existe ocultando-se com todas as outras coisas que ainda são desconhecidas.

 Dúvida...

 O que você é?
 Da cabeça aos pés, entre físico e mental. Olhando e encarando cada ponto de um corpo que mal se movimenta.

 Não tem mais o que dizer. Só vive quem quer viver.

" Sou mais do que esse casulo mostra.  E  não premedito o que irá transbordar, por fim...
Sempre tem algo que sobra, sempre tem algo que falta....
Enfim, tanto faz..."

 Os olhos cintilavam quando alguma luz batia neles. Os cabelos ainda cobriam o rosto e ela parecia sentir-se confortada atrás daqueles fios. Parecia acreditar que estava escondida de tudo o que não via. E assim, fechava os seus olhos e simplesmente permitia-se sentir.
 Havia mais ali dentro do que até ela mesma conhecia. O som que seus lábios produziam com a voz levemente rouca, proferia as palavras doces e tristes que faziam-a recordar de um passado não muito feliz, fazia sentir saudade de um futuro não muito distante. E os sonhos permaneciam sendo formados. Montados fio a fio por cada gota de insanidade que derramavam daquele ser.

 Errar não era um medo. Calar não era por falta de palavras. E mesmo sabendo onde pisar, deixou-se tropeçar diversas vezes, forçou a própria queda, por várias outras e assim, decidiu que talvez quisesse somente poder voar.
 Os caminhos estavam traçados, montados, desenhados e gravados naquela mente. Mas ela conhece o quanto é subversiva. E  sabe também que quebra as regras que ela mesma cria.
Não teme a sua subversão. Teme estar inerte, estar quebrada, estar vazia. E por horas, é assim que se sente. 

Triste...

 O que te forma?

 Os pensamentos continuavam latejando-lhe na mente, ditando e sussurrando as palavras que seus dedos deveriam marcar de tinta no papel de tom envelhecido. Os lábios ainda cantarolavam uma melodia, mas essa tinha mais de sua personalidade, essa tinha mais de sua força, essa era muito mais amarga... e assim era muito mais marcante, na presença que aquela moça sabia colocar em tudo o que criava. Não deixava-se parar nem por um segundo, Os dedos até doíam mas as palavras não queriam se calar. Era muita coisa ali dentro. Era muita gente. E eram muitas vozes..

Ela então despia-se enquanto chegava no refrão daquela sua criação. Seu quarto permanecia escuro e o seu esqueiro trazia a luz para queimar seu cigarro. A fumaça deixava no ar o aroma forte e doce que dançava, escapando de seus lábios rubros.

Sua presença era cálida. Descia as meias 7/8 e ainda pensava em mais palavras sobre si, sobre o mundo... não podia parar.
Ali tinha muito mais do que ela jamais pode expulsar. E ela então sentiu o desejo de compartilhar.
Deixou seu cigarro, quase acabado no cinzeiro e sorriu leve. Olhou os pingos da chuva batendo na sacada e  mais uma vez sorriu.

Era uma garota estranha, composta de uma fraqueza e  de uma força assustadora. Pensava nas barbáries do governo, nas manipulações da mídia, nas frases de Nietzsche. Mas rapidamente esquecia-se de cada um dos seus delírios mentais.

Tinha prazeres raros e destes compartilhava em silêncio, deixando-se sorrir sutilmente. Era feita de uma imensidade  de coisas. todas chocando-se o tempo todo. Não podia regrar-se e nem queria fazê-lo.

Possuía tantas intensidades guardadas em si, que as vezes até deixava-as transbordar.
Os pequenos prazeres que encontrava, sempre faziam que ela se sentisse nova, se sentisse viva. Afastava dela o esquecimento que por muitas vezes cercava tudo o que já havia criado.

Estava naquele momento transbordando. E assim, sentou-se na varanda, sentindo as gotas daquela chuva ríspida e fortes, penetrando no restante de tecido que cobria aquele corpo.
Fechou seus olhos, não queria ver nada. Queria sentir o frio, sentir a força da água batendo em sua pele. queria sentir o sabor do cigarro, que permanecia nos seus lábios.

Não existia nada que poderia fazê-la abrir aqueles olhos. E a garota permanecia assim. Cantando e contando as palavras sem rima. Ouvindo o som da chuva, sentindo se transbordar junto a ela.

Começava ali um novo tempo. Ela sabia disso. E junto a aquela água que lhe escorria pelo corpo, deixou escapar tudo o mais que não queria.
E ali, ainda tinha muito. E ela, esperava o tempo de entregar o que tiver de si.
Sem pressa...

E ela sorria sozinha. Abria os olhos e visualizava a lua que aparecia tímida por entre algumas nuvens. Então se levantou, apoiou-se sobre a bancada da varanda e permaneceu encarando aquela lua.
Já era tarde e seus pensamentos ainda borbulhavam. Sentia um prazer desconhecido.

Intensa;
Subversa;
Particular;

Acendeu mais um cigarro e deixou-se curtir a efemeridade do prazer que o seu transbordar causava. Queria sentir e o fez.

A fumaça brincava no ar. E ela deixava-se repetir:

"Renova-te e compartilha-te." 
" Entrega-te e transborda-te"

... Mais prazeres estão por vir.






quinta-feira, 10 de maio de 2012

E o que te basta?


(...)

E a menor então com um olhar expressivamente forte, lançou :
- " Mas porque você está aqui? Digo, no mundo... Já pensou no motivo da sua existência? Ou acha que foi o sexo que te trouxe ao mundo?

A outra lhe sorriu leve. Abaixou a cabeça, cerrou os lábios delicadamente e novamente ergueu a cabeça deixando que seu olhar penetrasse fundo, no mais longe que pudesse chegar do olhar daquela que já lhe fitava.

- " Continuarei achando que você pensa demais. Engraçado que não fala muito. Esconde muita coisa de mim?

A pequena permaneceu sem reação. Moveu a cabeça negativamente e prosseguiu:
- " E então você me entrega cem porcento do que tem? do que é?"

Novamente a maior sorriu. Dessa vez só com metade dos lábios.
-" Interessante.... me sinto num interrogatório. "  - Concluiu provocando a outra enquanto novamente mantinha seu olhar preso ao dela.

- " Seria um interrogatório de verdade se você respondesse ao menos uma das minhas perguntas. Mas você não o faz. Assim deixo-me concluir que é você quem esconde muita coisa de mim. O que acha disso?"

Penetrando ainda mais fundo o seu olhar negro naquele mais claro, respondeu:

- " Eu não procuro respostas como você. Eu deixo que as respostas venham até mim. - Olhou para seus pés, pausou um pouco e continuou: - Sabe Koi, talvez você devesse se deixar viver, sem tantas regras, sem tantas perguntas, sem tantos porquês. Eu não te dou cem porcento do que sou, por que não conheço tudo isso, mas eu te entrego cem porcento do que eu conheço de mim. Poderia fazer o mesmo comigo."

- " Eu me basto. "

E naquele ar ficou um silêncio. Destes que de tão vazios, deixam nos rostos a expressão perdida de não encontrar na infinidade de suas mentes, palavras para concluir e terminar.

 A maior levantou-se sem quebrar aquele silêncio. Sentou-se ao lado da pequena e repousou sua mão sobre a dela.
 - " Eu te basto 'pequena' . " - Apertando sutilmente a mão que situava-se sob a sua.

Novamente o silêncio reinou naquele quarto. A menor deixou-se escorregar levemente e recostar a cabeça no ombro da outra que tratou de acomodá-la e de acariciar os negros fios que desciam pelo caminho de seu rosto.

A menor olhou para cima e perguntou:
 "- E o que te basta ? "

" - Isso me basta.  " - Respondeu enquanto puxava a menor para seu colo.

Deixou que suas mãos repousassem na nuca daquela que situava-se em seu colo. E os lábios então se tocaram. Um frio e o outro quente.

Aquele contraste causava espasmos e arrepios por todo o corpo.

Não pareciam ter pressa. Permaneciam colando e separando os lábios como se  fossem morrer depois daquilo. Como se fosse uma despedida.
Separaram os lábios e deixaram os olhares ainda unidos expressarem os sentimentos não ditos.

A maior olhou para a mão da pequena , encarou-a e novamente mergulhou no fundo daqueles olhos, deixando-se repetir:


" Isso me basta  "



(...)