terça-feira, 12 de junho de 2012

A flor.


(...)
Uma flor com pétalas já murchas havia sido deixada sobre a mesa;

A cor da flor já havia desbotado. E eu nem ao menos sabia que flor era aquela...
Mas sabia quem a havia deixado ali. Bem ao lado do meu maço de cigarros favorito. Em torno do maço de cor vermelha, havia uma fita de um tom escuro amarrada. 
Já a flor, estava ali, simplesmente largada. Como se o cigarro tivesse sido dado como mais importante. 

Segurei-a em mãos e uma das pétalas caiu por sobre o meu sapato. 
Olhei para eles. Um coturno velho com uma fita de cetim cor de vinho, usada no lugar do cadarço. A pétala continuou ali parada sobre o bico do coturno.

Estendi as minhas mãos e vagarosamente retirei a fita que envolvia o maço de cigarros, afastando o pó que pairava por sobre o mesmo. 

Fazia pouco mais de uma semana que eu não voltava pra casa. Então retirei um cigarro e o acendi enquanto com a flor ainda em mãos andei pela casa, com esperança de encontrar algo a mais, alguém a  mais. 
Nesse dia o silêncio não me era atraente. Mais a noite ainda era.

Saí da casa. Coloquei o restante do maço no bolso da jaqueta que vestia e com a flor ainda em mãos saí pela rua, andando em linha reta.
Parando em frente a um portão deixei delicadamente a flor do outro lado, passando com os dedos entre as camadas de metal que separavam aquele muro. Estendi os braços ao topo e pulei aquele muro. Já do outro abaixei-me peguei aquela flor, que agora havia quebrado no seu caule.

Continuei andando em linha reta. Vendo as fotos nas lápides, lendo os nomes nos ossários. Joguei o cigarro acabado ao chão. Pisei nele e dei mais alguns passos em tropeços até por fim, sentar-me sobre uma das lápides.
E como era bonito aquele tom de cinza escuro que a compunha. Como era bonita a foto que tinha no canto, como gostava do nome que havia escrito debaixo daquela fotografia.

Repeti por algumas vezes aquele nome. Sorrindo enquanto beijava delicadamente aquele flor, aspirando o aroma adocicado da mesma.
Olhei mais uma vez para a foto e estendi o braço, deixando repousar a flor ao lado do nome.

Eu não chorei. Não aquele dia. 
havia um mundo muito melhor do que aquele em que eu andava. Havia sentimentos muito melhores do que aqueles que eu sentia. Mas não haviam lembranças melhores do que aquelas que eu me recordava.
Podia sentir nos lábios ainda o sabor...

E eu então com uma das pétalas ainda em mãos eu pulei novamente o muro. Saí na rua e em linha reta voltei pelo mesmo caminho. Cambaleando ainda mais e ainda com aquele nome em mente. Retirei do bolso aquela fita que desamarrei do maço. Tratei de amarra-la em meu pescoço, junto ao colar que a tanto tempo eu carregava. Abri o pingente redondo do meu colar e la dentro coloquei a pétala.

Passei direto pela casa. Olhava para o chão, as vezes para a lua....

E eu ainda sorria. 
No final daquela rua, havia um cemitério. e no sentido em que eu ia, havia uma ponte. Pulei dessa vez a grade da ponte. Sentei-me sobre o ferro de tom avermelhado e enferrujado. Olhei para a água turva que ficava bem la em baixo. 

Deixei-me escorregar.
Havia um mundo muito melhor do que esse em que eu vivia. Havia sentimentos muito mais fortes enterrados. Mas não havia nada que pudesse fazer-me esquecê-los ou aprender a conviver com eles. 
Podia sentir no peito ainda a sensação...

No final daquela ponte a água movimentava-se vagarosamente...
eu segurava com as mãos o colar. Eu fechava meus olhos.

...Eu ainda sorria. 
...E eu ainda caía...

E aquela flor, murcharia ainda mais...



~~Inoue Yu 

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